Rosh Hashaná
Encontrando-nos com
o Nosso “Autor”
Rosh Hashaná chega majestosamente no
início do calendário judaico marcando o Dia do Julgamento e o início dos Dias
de Temor. Este é um período intenso de introspecção, reza e empenho para chegar
ao aperfeiçoamento pessoal. Em Rosh Hashaná, nós coroamos Deus como Rei entre
toques de shofar e começamos os Dez Dias de Arrependimento, que chegam ao auge
no jejum de Iom Kipur, o Dia do Perdão.
Seção II. Rosh Hashaná
e a Criação da Humanidade
Seção III. Julgamento
em Rosh Hashaná
Parte A. Um
Dia de Julgamento
Parte
B. Julgamento para Este Mundo, Não para o Próximo
Parte C. Por Que o Nosso Julgamento é
no Primeiro Dia do Ano ao Invés de no Último Dia?
Parte D. Três Critérios de Julgamento
Parte E. O Princípio do Julgamento “Na
Sua Situação Atual”
Seção I. Introdução: Encontrando-nos com o Nosso “Autor”
O Calendário judaico começa com o que
é se pretende ser uma experiência fascinante para cada judeu – Rosh Hashaná. Estes
dias são um tempo de uma forte introspecção pessoal, quando nós nos deparamos
com questões fundamentais sobre a nossa existência: Por que eu estou neste
mundo? Qual é o meu propósito? Pelo que eu sou responsável? Neste dia, nós afirmamos
uma crença essencial do povo judeu, isto é, que Deus, Que Criou e dirige o
universo, é o nosso Rei.
Por
que nós queremos considerar Deus como Rei?
Há
várias abordagens para esta pergunta, e cada um precisa encontrar a que é mais
adequada a ele. Eu gosto da seguinte
explicação.
Há
um trecho do romance “Breakfast of Champions” (“Café da Manhã dos Campiões”),
de Kurt Vonnegut que deixa claro o significado de Deus como um Rei. O
personagem principal, Kilgore Trout, está na sua, bebendo em um bar. De
repente, ele sente que uma aparição assombrosa está prestes a entrar no bar. Ele soa frio. Quem entra?
Kurt
Vonnegut. Quando o autor do livro entra no romance para visitar o seu
personagem, a percepção de mundo de Kilgore vira às avessas. Ele percebe que
ele não existe independentemente. Ao invés disto, cada momento da sua vida
precisa de um novo rabisco da caneta do autor. Sem o autor, ele deixa de
existir.
Ele
também percebe que o seu universo existe somente na mente do autor e que, além
do seu mundo efêmero, há uma dimensão mais alta – a esfera de Kurt Vonnegut – que
é mais real do que a sua própria.
Além
disto, ele descobre que literalmente tudo no seu universo é uma expressão de
Kurt Vonnegut, pois no mundo de Kilgore, o autor é o único ser com existência
verdadeira…
O
nosso mundo finito também é um trabalho de Criação. Tudo que há nele é uma
expressão da Unicidade de Deus. Sem um novo ato de Criação a cada momento, nada
poderia existir.
Embora a analogia
de Vonnegut seja imperfeita – ele não é Deus e a sua criação é somente no
âmbito das ideias – ela nos ensina, no entanto, que pode haver uma realidade
além do mundo finito das nossas sensações instantâneas. Como Kilgore, em Rosh
Hashaná, nós estamos de cara a cara com o nosso “Autor”. O reconhecimento que
Deus é o Criador e o Rei do universo tem um significado profundo na forma como
nós nos relacionamos com a vida, ou seja, com o nosso propósito neste mundo.
Coroar Deus como o nosso Rei é escolher a transcendência ao invés da transitoriedade,
o Infinito ao invés do finito, a realidade ao invés da ilusão.
(Baseado no Rabino
Nechemia Coopersmith, “Hiding from God” (“Escondendo-se de Deus”), aish.com)
Seção II. Rosh Hashaná e a Criação da Humanidade
Antes de abordarmos
o conceito central do julgamento em Rosh Hashaná, nós devemos primeiro entender
o contexto histórico e o significado deste dia de recomeços. Nós constatamos no
Machzor (o livro de reza especial para a festa) que Rosh Hashaná é
chamado de “iom horaat olam – o dia de Criação do mundo”. Da mesma
forma, ele é chamado de “iom techilat maassecha – o dia do início da
obra de Deus.” Qual é a conexão entre Rosh Hashaná e a Criação do mundo?
1. Talmud Bavli (Talmud Babilônico), Rosh Hashaná 11a – Rosh Hashaná é o
aniversário da criação do mundo.
Rabino Eliezer disse: “Qual a fonte na Escritura que ensina que o mundo foi
criado em Tishrei? Está escrito: ‘Deus disse: ‘Deixe a terra germinar vegetação
e sementes das árvores frutíferas (Bereshit/ Gênese 1:11).’’ Qual é o mês em
que a Terra se enche de vegetação e as árvores estão cheias de frutas? Isto é
Tishrei, pois nesta época é quando o período de chuvas começa…”
De acordo com o seguinte Midrash, a
ideia que o mundo foi criado em Tishrei se refere não ao início da Criação de
Deus, mas ao seu auge – a criação do homem. O primeiro dia dos Seis Dias
efetivos de Criação foi o dia 25 do mês anterior, Elul. Nós descobrimos, então,
que Rosh Hashaná é o aniversário da humanidade.
2. Vaikrá
(Levítico) Rabá 29:1 – Adão, o primeiro homem, foi criado em Rosh Hashaná.
Foi ensinado em nome do Rabino
Eliezer: O mundo foi criado no dia vinte e cinco de Elul. A visão do Rav está
de acordo com o ensinamento acima do Rabino Eliezer. Pois nós aprendemos na
Benção do Shofar composta pelo Rav: “Hoje é o dia do início da Sua obra, uma
recordação do primeiro dia; ele é um decreto para Israel, uma lei do Deus de
Iaacov.” Neste dia, a sentença sobre os países é decidida – quais deles estão
destinados à destruição e quais à paz, quais à fome e quais à fartura. Cada
criatura separadamente é inspecionada neste dia e é inscrita para a vida ou
para a morte. Portanto, de acordo com esta visão, nós constatamos que, na
primeira hora, a ideia de criar o homem entrou na mente de Deus. Na segunda
hora, Ele Se aconselhou com os Anjos que servem a Deus. Na terceira, Ele juntou
o pó de Adão. Na quarta, Ele o misturou. Na quinta, Ele deu forma a ele. Na
sexta, Ele o transformou em um corpo sem vida. Na sétima, Ele soprou a alma
dentro dele. Na oitava, Ele o levou ao Jardim de Eden. Na nona, [Adão] foi
ordenado [a não comer a fruta da Árvore da Sabedoria]. Na décima, ele o
transgrediu. Na décima primeira, ele foi julgado. Na décima segunda, ele foi
perdoado.
Rosh Hashaná é essencialmente um dia
de julgamento porque Adão e Eva foram julgados neste dia, como é destacado no
Midrash. É verdade que Adão e Eva foram punidos por terem comido da Árvore da
Sabedoria – eles foram expulsos do Gan Eden, tiveram que trabalhar por sustento
e Eva sofreu a dor do parto. No entanto, o fato que lhes foi concedida vida era
visto de modo global como um julgamento piedoso e como um sinal que eles foram
perdoados pela sua transgressão.
3. Ib. – Rosh Hashaná sempre foi um dia
de julgamento.
Disse o Sagrado, Abençoado seja Ele, a
Adão: “Este será um modelo para os seus descendentes: assim como tu estiveste
diante de Mim em julgamento neste dia e saíste com clemência, da mesma forma,
as futuras gerações dos seus descendentes estarão diante de mim em julgamento
neste dia e sairão com clemência.” E que dia é este? O primeiro dia do sétimo mês
[Rosh Hashaná].
4. Maharsha, Chidushei Agadot, Rosh Hashaná 10b. – O
julgamento de Deus é realizado com bondade e piedade.
Nós concluímos a partir desta discussão que Rosh Hashaná
foi estabelecido no dia primeiro de Tishrei já que o mundo, especificamente o
homem, foi criado neste dia. E neste dia Adão foi julgado pela sua
transgressão, e ele fez teshuvá (se arrependeu), e Deus, na Sua
misericórdia, Que Criou o mundo, o perdoou. Portanto, os nossos ascendentes
Avraham (Abraão) e Iaacov (Jacó) nasceram em Rosh Hashaná através dos atributos
de bondade e misericórdia, que é um sinal para os seus descendentes que eles
serão julgados juntos com eles através da misericórdia.
A seguinte história ilustra a conexão entre
o Jardim de Eden, o julgamento e Rosh Hashaná, como foi discutido acima.
Há uma história
contada sobre o Rabino Shneur Zalman de Liadi, o primeiro Rebe de Lubavitch,
durante o tempo que ele estava preso por acusações falsas feitas pelos seus
inimigos. Enquanto ele estava na prisão, um encontro fascinante ocorreu entre o
Rebe e o diretor chefe da prisão. O diretor, um homem que leu a Bíblia,
percebeu que ele era um prisioneiro fora do comum, um Sábio com sabedoria e
santidade rara. Então, ele decidiu perguntar ao Rebe algo que a muito tempo o
intrigava.
“Nós constatamos na
Bíblia que, depois que Adão e Eva pecaram, Deus os intimou: ‘Onde vocês estão?’
Mas certamente Deus sabe tudo. Por que, então, Ele os intimou, dizendo ‘Onde
vocês estão?’ Ele sabia onde eles estavam. Por que Ele precisou perguntar?”
O Rebe olhou para o
diretor com os seus olhos tranquilos, mas sagazes: “Você acredita,” ele
perguntou “que a Bíblia fala com cada geração, realmente com cada um de nós?”
“É claro,” respondeu o diretor. “Então,” continuou o Rebe, “não foi só com Adão
e Eva que Deus estava falando, mas com cada um de nós. Talvez Deus está agora
mesmo perguntando a você, que viveu quarenta e seis anos na terra: Onde está
você?”
O diretor, ouvindo
a sua idade e entendendo a mensagem do Rebe estremeceu. Rosh Hashaná é o
aniversário do dia que os primeiros seres humanos – Adão e Eva – foram criados.
Deus está perguntando a nós, como Ele perguntou a eles: “Onde está você? O que
você fez com o meu presente mais valioso, o presente da vida? No ano passado,
você pediu para ser inscrito no Livro da Vida, e Eu atendi a sua reza. O que
você fez com o ano que Eu lhe dei? Onde está você?”
(do Rabino-chefe
Sr. Jonathan Sacks, www.parsha.net, Rosh Hashaná 5770)
Como o aniversário da criação do
homem, Rosh Hashaná também é uma oportunidade de relacionar-nos com Deus de uma
forma nova.
5. Rabino Akiva
Tatz, Living Inspired (Vivendo Inspirado), p. 137-139 – Rosh Hashaná é um tempo
para a recriação.
A medida que a energia do tempo percorre
pelas suas fases, ela atinge os auges que são específicos das suas épocas. A
energia que é propícia para inspirar e revitalizar o “ponto de início” chega ao
auge em Rosh Hashaná, o Ano Novo. Quem deseja elevar e aumentar o seu poder de
criação nova, a sua habilidade de sempre ser novo e autocriador deve utilizar o
poder espiritual de Rosh Hashaná ao máximo…
Rosh Hashaná é o início do ano. As
forças espirituais atuando nos momentos de início são singulares. “Hakol
holech achar harosh” – tudo vai após o início.” Todo o curso de qualquer
processo é determinado pelo seu início. Isto porque o início é a concepção, e a
concepção representa a formação dos genes que são o modelo de tudo que será
construído posteriormente. A norma espiritual é que quanto mais próximo do
momento da concepção, mais potentes e importantes são as forças. Um pequeno
ferimento no corpo humano pode não ser de grande significado em um adulto. Um
feto durante o seu desenvolvimento é muito mais sensível a este tipo de
fenômeno. E uma mudança minúscula dos genes pode ter os resultados mais
poderosos imagináveis.
No momento das origens, todos os
detalhes são codificados com uma potência maior. Portanto, este é o momento
mais crítico. Nenhum momento subsequente pode ter a intensidade e o significado
deste primeiro instante. O momento da concepção contém tudo. Todo o
desenvolvimento posterior é simplesmente uma revelação do que foi criado
durante este primeiro momento.
Rosh Hashaná é a concepção do ano, e
os próximos dez dias são a sua gestação. É por isto que estes dias são tão
críticos para todo o ano. É por isto que a pessoa é julgada por todo o ano como
ela se apresenta em Rosh Hashaná – a personalidade como ela existe então é a
essência. Será necessário um empenho máximo mais tarde para mudar. Mudar em
Rosh Hashaná é muito mais fácil – pode-se manipular os “genes” do seu caráter
nesta época. As pessoas com conhecimento espiritual tomam um extremo cuidado
para passar por Rosh Hashaná com perfeição – o ano está sendo concebido. Muitos
têm o costume de não dormir pelo menos durante as horas da manhã. Eles querem
formar os genes do ano conscientemente, sem inconsciência.
Qual é a fonte desta energia especial?
O primeiro Rosh Hashaná de todos os tempos, que, obviamente representa a sua
verdadeira natureza de forma mais intensa, foi o dia da criação do homem. Este
dia de criação foi o primeiro Rosh Hashaná do mundo, e o seu acontecimento
culminante foi a criação do homem. É por isto que este dia sempre conserva o
seu poder de recriar o homem! Quando nós decidimos genuina e
intensamente elevar o nosso caráter em Rosh Hashaná, nos tornar inspirados a
viver o próximo ano como seres superiores, nós estamos usando a energia
profundamente enraizada na qualidade de dia da criação humana. O dia tem o poder
de dinamizar uma mudança real e ajudar a pessoa a se tornar irreconhecivelmente
diferente.
Seção III. Julgamento em Rosh Hashaná
Como o aniversário da Criação indica,
e como a reza de Rosh Hashaná evidencia, Rosh Hashaná é um Dia de Julgamento. Nesta
seção, nós analisaremos mais a fundo a natureza deste julgamento: por que Deus
nos julga neste dia e quais são os Seus critérios para julgamento?
Parte A. Um Dia de Julgamento
1. Talmud Bavli,
Rosh Hashaná 16a – Embora hajam quatro épocas específicas de julgamentos do
mundo, Rosh Hashaná é quando todas as pessoas são julgadas individualmente por
Deus.
O mundo é julgado quatro vezes por
ano: Em Pessach, sobre a colheita; em Shavuot, sobre as árvores frutíferas; no
Ano Novo, todos os habitantes do mundo passam diante de Deus como Bnei Maron,
como está escrito: “Quem os criou [vê junto] os seus corações, Quem entende
todas as suas ações” (Tehilim/Salmos 33:15). E em Sucot, há julgamento sobre a
água.
2. Talmud Bavli, Rosh Hashaná 16b – Todos se enquadram em uma das três
categorias em Rosh Hashaná.
Rabino Cruspedai disse no nome do Rabino Yochanan: “Três livros são abertos
em Rosh Hashaná: Um das pessoas totalmente perversas, um das pessoas
completamente justas e um que inclui pessoas com boas e más ações [Beinonim].
Os indivíduos completamente justos são inscritos e selados imediatamente para a
vida. Os que são totalmente perversos são imediatamente inscritos e selados
para a morte. A [sentença dos] indivíduos com atos tanto bons quanto ruins é
suspensa de Rosh Hashaná até Yom Kipur. Se elas têm mérito, elas são inscritas
para a vida, se elas não têm mérito, elas são inscritas para a morte.”
3. Rashi, ib. – Qual é a definição de“Beinonim”?
[“Beinonim”] “Aqueles com tanto boas, quanto más ações” – as suas [ações]
são exatamente meio a meio.
Esta conjuntura não é tão simples como ela parece ser porque cada ação deve
ser avaliada em um contexto e pesada de acordo com ele.
4. Rambam (Maimônides), Hilchot Teshuvah (Leis de Arrependimento) 3:2 – Somente
Deus pode saber o valor verdadeiro de cada ação que nós fazemos.
Esta avaliação não é [só] calculada com base no número de méritos e
pecados, mas também [leva em consideração] a sua grandeza. Há alguns méritos
que pesam mais do muitos pecados, como é deduzido de: “Porque nele era
encontrada uma boa qualidade” [Melachim/Reis I 14:13]. Em contraste, um pecado pode encobrir muitas coisas boas”
[Kohelet/Elesiastes 9:18].
A pesagem [de pecados e méritos] é realizada de acordo com a sabedoria do
Deus Conhecedor. Ele sabe como medir os méritos em contraposição com os
pecados.
O Rabino Isroel Salanter dá um insight
sobre o motivo pelo qual somente Deus é capaz de avaliar as nossas ações.
5. Rabino Isroel
Salanter, Or Isroel, Siman 31 – Cada ação é avaliada por Deus de acordo com (1)
o grau de consequências positivas ou negativas da ação e (2) a qualidade do
esforço despendido pela pessoa para realizar ou não o ato.
Cada ação pode ser analisada de acordo
com a própria ação e a pessoa que realiza a ação.
Do ponto de vista da ação, cada ato é
avaliado pelos resultados que ele produz. Uma pessoa pode ser louvada pelas
suas ações de forma compatível com isto. A medida que há resultados benéficos,
uma ação será considerada qualitativamente melhor. Todas as boas ações serão um
mérito para ele. Este princípio foi expresso pelos nossos Sábios, quando eles
disseram: “Um bom ato tem uma [recompensa] principal e tem frutos [uma
recompensa adicional]; uma transgressão tem uma [punição] principal e não tem
frutos [nenhuma punição adicional]” (Kidushin 40).
Do ponto de vista da pessoa que
realiza a ação, cada uma delas é medida pela qualidade do esforço que é feito
na sua realização, como os Sábios ensinam: “De acordo com o esforço é a
recompensa” (Pirkei Avot/Ética dos Pais 5). E igualmente com cada ato ruim, ele é
julgado pela qualidade do esforço que foi feito para evitá-lo. Quanto mais
difícil é evitá-lo, menos severa é a prestação de contas, como os nossos Sábios
disseram: “O Rabino Meir disse: Quão maior é a punição por ter deixado de usar
fios brancos de tzitzit do que a punição por ter deixado de usar fios azuis
[que são mais difíceis de obter]” (Menachot 43).
A que isto pode ser comparado? A um
rei de carne e osso que tinha dois servos. Ele ordenou a um deles: “Traga-me um
carimbo feito de gesso”, e ordenou ao outro: “Traga-me um carimbo feito de
ouro.” Nenhum dos dois escutou e nenhum deles trouxe nada ao rei. Quem deve
receber a punição maior? Certamente, quem não trouxe nem mesmo um carimbo feito
de gesso!
Isto é o que o Rambam [citado na fonte
n° 4 acima] quer dizer: nenhuma pessoa pode avaliar as consequências das suas
ações para julgar o valor das suas mitzvot e transgressões de acordo com o que
ela realiza. Da mesma forma, ninguém pode avaliar o grande esforço que está
envolvido no cumprimento de Torá e mitzvot.
Parte B. Julgamento para Este Mundo, Não para o Próximo
A equação simples dos íntegros e perversos do Rabino Cruspedai não parece
condizer com a realidade que nós vemos diante de nós. Todos nós podemos mencionar
pessoas que nós consideramos totalmente perversas, que vivem de ano a ano.
Muitos de nós provavelmente também poderíamos mencionar pessoas íntegras que
faleceram. Como nós podemos entender o julgamento de Rosh Hashaná?
1. Tosefot, Talmud Bavli, Rosh Hashaná 16b – Se é concedida vida às pessoas
“boas” e é decretada morte às pessoas “perversas”, como nós vemos pessoas boas
morrendo e pessoas perversas vivendo durante o ano seguinte?
A partir do entendimento que alguns indivíduos possuem a mesma quantidade
de boas e más ações [e a sua sentença é suspensa de Rosh Hashaná até Yom
Kipur], deduz-se que a definição de uma pessoa justa é aquela cujos méritos são
maiores [do que os seus atos ruins], e uma pessoa completamente perversa [é
definida] como aquela cujas transgressões excedem [às suas boas ações]. Às
vezes, no entanto, os justos são selados para a morte e os totalmente perversos
para a vida... Portanto, as definições de morte para o perverso e vida para o
justo referem-se à vida no mundo vindouro.
2. Rabino Chaim
Friedlander, Sifsei Chaim vol. I, p. 103 – O julgamento para o Mundo Vindouro é
somente no falecimento da pessoa, não a cada ano em Rosh Hashaná.
É preciso entender que este
julgamento para o Mundo Vindouro não é em Rosh Hashaná, mas sim ele é
determinado somente quando a pessoa chega na Corte Celestial após a sua morte.
Então, se o julgamento do status da
pessoa no Mundo Vindouro ocorrerá quando ele falecer, o que o julgamento para a
vida e morte em Rosh Hashaná determina e a que o Tosefot está se referindo?
3. Ib., p. 105 – Há
dois aspectos do julgamento em Rosh Hashaná: o potencial de crescimento
espiritual e o sustento pessoal (saúde, renda, etc.) para ajudar a alcançar
este nível espiritual.
O estabelecimento da essência espiritual [para o ano seguinte] é o
julgamento em Rosh Hashaná que está relacionado com o Mundo Vindouro. Isto é
similar à pergunta dos sábios encontrada em muitos lugares: “Quem está
destinado ao Mundo Vindouro?” A conotação é que não é após a morte que a pessoa
terá o mérito do Mundo Vindouro, mas sim agora [durante a sua vida] ela já é
considerada como destinada ao Mundo Vindouro.
A sua própria
essência é considerada como destinada para o Mundo Vindouro, embora ela ainda
esteja viva neste mundo, pois ela é [vista] como sendo enraizada no mundo
espiritual, que é considerado como o Mundo Vindouro. Desta forma, o julgamento
da pessoa está relacionado com o Mundo Vindouro, pois em Rosh Hashaná a
essência espiritual da pessoa é estabelecida de acordo com o seu nível, ou
seja, ele escreve o seu próprio livro! E o estabelecimento do nível espiritual
da pessoa [em Rosh Hashaná] determina o julgamento correspondente do seu
sustento pessoal [como saúde, renda, etc.] para o ano seguinte.
Portanto, um julgamento para a vida significa que a pessoa terá uma
oportunidade de uma conexão para o crescimento pessoal e a saúde simultânea e
recursos para favorecer este crescimento no próximo ano. Já que as
consequências do julgamento ao final de tudo afetam o Mundo Vindouro da pessoa,
ele é visto como relacionado com o Mundo Vindouro. Inversamente, um julgamento
para a morte reflete uma falta de conexão com espiritualidade, que é uma forma
de morte e distanciamento do Mundo Vindouro.
Como um exemplo de como a situação espiritual geral da pessoa afeta o seu
julgamento em relação às necessidades da vida, o Rabino Reuven Leuchter destaca
um princípio fundamental ensinado pelo Rabino Isroel Salanter. O Rabino
Salanter ensina que uma forma infalível de garantir um julgamento favorável diante
de Deus em Rosh Hashaná é ser a pessoa bondosa sobre a qual a comunidade conta
com ela. Já que as necessidades pessoais dela são por extensão, necessitadas
pela comunidade que conta com ela, as suas necessidades serão atendidas com
base na sua importância espiritual geral como um membro imprescindível da
comunidade.
(Veja mais detalhes no Rabino Shlomo Wolbe, Alei Shur, vol. II, p. 319).
Parte C. Por Que o
Nosso Julgamento é no Primeiro Dia do Ano ao Invés de no Último Dia?
Entender a natureza do julgamento em Rosh Hashaná como sendo relacionada
com a vida neste mundo ao invés da recompensa no Mundo Vindouro ajuda a
explicar a escolha da época do julgamento: por que o Dia de Julgamento é no
primeiro dia do ano ao invés do último dia do ano anterior?
1. Rabino Chaim Friedlander, Sifsei Chaim, vol. I, p. 94-95 – Em Rosh
Hashaná, Deus avalia o passado visando o futuro.
Embora seja verdade que os atos passados de uma pessoa determinam o seu
julgamento em Rosh Hashaná, no entanto, o passado não é o foco principal, mas
sim o futuro. O julgamento sobre Rosh Hashaná não é como uma corte mundana que
examina os atos passados da pessoa para responsabilizá-la e determinar a sua
recompensa ou punição. Assim será no Dia do Julgamento grande e temeroso que nós
seremos julgados por todas as nossas ações passadas para determinar a nossa
recompensa e punição finais. Mas o julgamento de Rosh Hashaná é de um tipo
diferente. A ênfase é principalmente no futuro.
O julgamento é simplesmente uma prática da natureza especial do dia, já que
é a “rosh” (literalmente cabeça) do ano que incorpora todo o ano
seguinte. Sendo assim, Deus naturalmente nos julga em virtude desta “cabeça” –
Ele nos dará tudo o que nós receberemos para as necessidades do ano novo. Isto
é o que significa a expressão “hoje é dia que o mundo foi julgado…” A palavra
“concepção” é usada querendo dizer que todo o ano é criado em potencial em Rosh
Hashaná. E, portanto, “hoje nós estamos em julgamento.”
Vamos dar um exemplo da vida prática. Cada fábrica ou distribuidor possui
um orçamento anual. Ou seja, nós refletimos sobre como financiar o crescimento
do negócio no futuro. Mas, para fazê-lo, nós examinamos a produtividade do ano
anterior. Obviamente, há muitos fatores, mas a pessoa só pode distribuir os recursos
baseada nas possibilidades que foram determinadas no passado. Portanto, a
pessoa precisa saber a renda e as despesas do passado e, com base nisto,
preparar-se para o futuro. Nós percebemos, então, que o propósito do orçamento
é para o futuro, embora ele seja baseado em um cálculo do passado.
Da mesma forma ocorre com o julgamento de Rosh Hashaná – ele é como uma
distribuição do orçamento ao invés de um julgamento.
A ideia de enfocar
Rosh Hashaná por uma pespectiva de négocio também pode ser ilustrada com a
seguinte analogia.
No
próprio dia que você recebe o seu título de MBA (Mestre em Administração de
Empresas), você recebe uma ligação de um caçador de talentos importante,
perguntando se você estaria interessado em chefiar o departamento de vendas de
uma empresa recém-criada por um salário absurdamente alto. Após refletir por
oito segundos inteiros, você diz: “Claro.” Seis meses depois, você está muito
ocupado supervisionando uma equipe de 60 vendedores, e o negócio está
definitivamente prosperando. Um dia, você recebe um telefonema de um dos
dirigentes superiores da empresa. Parece que houve uma pequena falha quando
eles abriram a empresa – ninguém sequer se deu o trabalho de abrir um
departamento de contabilidade! Ninguém sabe se a empresa está, na realidade,
lucrando ou perdendo dinheiro. A chamada é para lhe alertar que, após uma
análise financeira de cada departamento, provavelmente haverá uma redução no
corpo de funcionários.
Uma
semana depois, você recebe um telefonema do “Bob da contabilidade”, explicando
que cada chefe de departamento está sendo solicitado a se preparar para uma
auditoria, que determinará se o departamento é rentável ou não. Ele pede que
você recolha todos os documentos e apresente-se aos escreventes em 30 dias.
Você realmente ama o seu trabalho e tem muita vontade de permanecer nesta
empresa, então, você se ocupa muito em fazer uma auditoria interna para obter
todas as informações que mostrarão que o seu departamento é realmente rentável.
Há cerca de duas semanas neste processo, algo começa a lhe deixar inquieto. Os
resultados financeiros realmente não estão fazendo sentido. Parece que você
está custando para a empresa mais do que você está produzindo. Você está em perigo.
Então,
você não dorme noite após noite, tentando entender o que você está fazendo de
errado e como você irá consertá-lo. Talvez se você admitir os problemas e
propor uma solução espetacular, você simplesmente pode ser capaz de argumentar
a favor de conseguir outra chance de ser bem-sucedido… No dia da inspeção, você
está extremamente nervoso, mas você acha que criou uma pequena esperança com
todos os aperfeiçoamentos que você fez. Bob educadamente aperta a sua mão e aponta
para a extremidade da sala, onde o próprio presidente da empresa está sentado, já
profundamente absorto em meditar sobre os seus documentos. Franzindo as suas
sobrancelhas aqui e arregalando os olhos ali. Você espera fora do escritório e
finalmente, após muitas horas roendo unhas, Bob surge do escritório e diz: “Eu
posso ver que você está se esforçando, mas simplesmente não há informações
suficientes para avaliar. Vamos lhe dar outros dez dias para continuar a implementar
as suas mudanças e você retomará o assunto novamente com o próprio presidente
da empresa.”
Os
próximos dez dias se tornam uma confusão de movimentos e atividades, com toda
nuance de mudança e aperfeiçoamento cautelosamente ponderada e cuidadosamente
estudada. O grande dia chega, e você está se sentindo exausto, ansioso, mas com
um pouquinho de esperança, a medida que você caminha em direção ao encontro com
o presidente da empresa, curvado pelo peso de braçadas de novas planilhas de
análise e maços de documentos. Você imediatamente começa a sua apresentação,
defendendo as suas realizações, reconhecendo os seus erros e traçando a
estratégia perfeita para impedir uma recaída na falta de rentabilidade.
O
presidente da empresa examina meticulosamente toda a sua documentação e, após o
que parece ser uma eternidade, ele levanta os olhos na sua direção e diz: “Eu
sinto muito. Isto realmente não é suficiente.” Você esgotou toda possibilidade
de esperança e você está a ponto de dar-se por vencido, quando, de repente,
você se dá conta que o presidente da empresa é o seu pai! Você olha francamente
nos seus olhos e, com um comprometimento sincero, você pede ajuda: “Eu sei que
eu realmente não estava à altura do que eu deveria ter feito. Mas, pai, sou eu!
Você pode me dar mais um tempo e me dar mais uma chance só desta vez?”
(Adaptado
de “Facing the CEO” (“Enfrentando o Presidente”), pelo Rabino Yerachmiel
Milstein, aish.com)
2.
Adaptado do Rabino Yerachmiel Milstein, Facing the CEO (Enfrentando o
Presidente), aish.com – o universo é a empresa de Deus e nós somos os Seus
empregados.
O universo é a
empresa global de Deus e a sua linha de produtos são bons atos. Deus criou um
mundo incrivelmente lindo e brilhantemente planejado, que é perfeito em tantas
formas, mas intencionalmente tem carências em outros aspectos. Deus coloca os
Seus filhos “no Seu negócio” para eles completarem o Seu trabalho.
Nós, da raça
humana, somos funcionários de Deus. A lista de atribuições do nosso cargo é
clara. Contribuir para o saldo final da empresa visando lucro: bens espirituais
devem se exceder aos débitos. Para garantir o sucesso contínuo da empresa, um
sistema de contabilidade é implementado, considerando o desempenho de cada
funcionário em relação ao balanço final da empresa. Rosh Hashaná é a época de
prestação de contas, onde cada judeu é chamado diante dos contadores
Celestiais, que avaliam cada transação espiritual, bons atos, bem como
infrações para determinar se o contrato do funcionário será renovado no próximo
ano. Nós não reconhecemos inclusive que Deus é, na realidade, o presidente da
empresa? Em Rosh Hashaná, nós reafirmamos que Deus é o Criador e o Diretor do
universo, no meio da coroação nos toques de shofar e de uma reza refletiva.
Ao fazer teshuvá,
arrependimento, nós vemos onde nós erramos, e, tão importante quanto isto, como
nós vamos corrigir os nossos erros. Nós chegamos no Dia de Julgamento com
emoções ambíguas. Por um lado, nós estamos otimistas e felizes com a esperança
de sermos inscritos em outro ano no mundo grandioso de Deus. Por outro, nós
estamos reservados e introspectivos, reconhecendo que nós ainda precisamos
interceder pela renovação do contrato – outro ano de vida – porque, ao menos,
nós identificamos os nossos problemas e estamos dispostos a tomar providências
para garantir que eles não aconteçam novamente.
Mas quem realmente
pode dizer que fez tudo que pode fazer como empregado de Deus e, portanto, está
garantido a ele um resultado favorável em Rosh Hashaná? Portanto, nós devemos
considerar os nossos destinos como pendentes na balança e nos foi dado tempo
até Iom Kipur para examinar mais a fundo as nossas questões morais e
implementar melhor as nossas correções e resoluções. Nós tentamos nos
responsabilizar pelas nossas falhas e transgressões e decidir nunca repetí-las
quando nós estamos diante do presidente da empresa, o Próprio Deus
Todo-Poderoso. No final do dia, nós devemos concluir que, por toda a nossa
teshuvá, nós ainda podemos achar que nós estamos um pouco menos do que
totalmente qualificados para uma renovação dos nossos contratos de vida.
Se parecer que tudo
está perdido, nós olhamos para cima e percebemos que Deus é o nosso Pai no Céu.
Então, durante a reza dos Iamim Noraim, nós suplicamos a Ele: “Avinu Malkeinu –
nosso Pai, nosso Rei!” Pai, sou eu. Eu sou seu filho. Eu sei, eu errei, mas, por favor, me dá mais uma chance. Que pai pode resistir a esta sinceridade por parte do seu filho amado?
Parte D. Três Critérios de Julgamento
A Mishná citada acima (Seção III A.1)
ensina que, em Rosh Hashaná, a humanidade é julgada como Bnei Maron. A
que este termo se refere? O Talmud e os seus comentários ajudam a entender
melhor o conceito de Bnei Maron, mostrando-nos como Deus nos
julga em Rosh Hashaná.
1. Talmud Bavli,
Rosh HaShaná 18a – Há três definições possíveis de Bnei Maron.
O que quer dizer a expressão “Bnei
Maron”? Aqui ela é traduzida como “Bnei Amarna.” Reish Lakish
explicou: “Como as alturas da Casa de Maron.” O Rav Yehuda disse em nome de
Shmuel: “Como os soldados da Casa de David.” Raba Bar Bar Chana disse em nome
do Rabino Yochanan: “Todos eles são julgados ao mesmo tempo.”
2. Rashi, ib. –
Como estas três interpretações se enquadram no termo Bnei Maron?
“Como Bnei Amarna.” Como carneiros contados para dízima, passando em
uma fila através de uma pequena abertura em que dois não cabem juntos.
“Como as Alturas da Casa de Maron” – onde há um caminho estreito, e não há
espaço suficiente para duas pessoas percorrerem lado a lado, e há um vale
íngreme nos dois lados do caminho.
“Como os soldados da Casa de David” – “Como Bnei Maron,” ou seja, como os soldados no
exército do rei. “Maron” é uma expressão de supremacia e domínio; desta
forma, eram contados os soldados à medida que eles marchavam para a guerra um
após o outro.
3. Rabino Shlomo
Wolbe, Alei Shur, vol. II, p. 413 – A mensagem geral é de responsabilidade
pessoal.
As três analogias são maravilhosas e a
mensagem é clara: No tempo do julgamento, a pessoa encontra-se diante do seu
Criador completamente só, totalmente solitária – ela não tem querelante ou
testemunha, pois “Ele é o Juíz, Ele é a Testemunha, Ele é Quem está o levando a
corte.” Ele não tem ninguém para transferir a responsabilidade [pelas suas
ações] ou culpar pelas suas faltas. No momento que ele se encontra diante do
seu Criador no Julgamento, é como se não houvesse ninguém no mundo a não ser
ele. Somente ele é responsável por tudo o que ele fez ou não fez.
4. Rabino Yossi Michalowicz, “What God Judges Us For on Rosh HaShanah”
(Pelo que Deus nos julga em Rosh Hashaná), www.westmountroutes.com, baseado em
uma palestra do Rabino Zev Leff – os três entendimentos de Bnei Maron refletem
três perspectivas diferentes através das quais Deus nos julga.
Por que um pastor conta o seu rebanho? Há muitos motivos. Em primeiro
lugar, ele quer ver se eles todos estão lá. Talvez alguns deles fugiram e não
são mais parte do seu rebanho. Mesmo se eles estiverem lá, ele quer ver se eles
estão saudáveis. Ele também quer ver se eles têm a sua marca gravada neles e é
facilmente identificado a quem eles pertencem. Da mesma forma, Deus está
olhando para ver se eles ainda são parte do Seu rebanho ou, se, Deus nos livre,
nós escapamos Dele e não somos parte do Seu rebanho. E, se nós somos parte do
rebanho, quão saudáveis nós estamos? Que bons atos nós fizemos no ano passado?
Que qualidades nós revelamos no ano passado? Nós somos fortes na observância de
mitzvot, nós fazemos muitos atos bons? Nós amamos estudar Torá? Nós somos
fortes na nossa crença? Deus observa de perto cada um de nós para ver quão
saudáveis nós estamos. Mais do que isto, nós temos a Sua marca gravada em nós?
À primeira vista, isto parece abarcar tudo – o que mais poderia ser pedido
de nós? Mas ainda há mais dois aspectos. Teoricamente, duas pessoas podem estar
exatamente na mesma situação. Ambas podem ter exatamente a mesma quantidade de
bons atos, a mesma quantidade de más condutas, elas podem ter as mesmas
qualidades, exatamente os mesmos níveis de crença em Deus, ter estilos de vida
judaicos similares, mas uma pode receber um julgamento favorável e a outra pode
receber um julgamento negativo. Como pode ser se elas são exatamente iguais? A
resposta é que Deus não espera que nós façamos bons atos, estudemos Torá,
rezemos e permaneçamos estagnados. Ele espera que nós cresçamos
constantemente. Um ser humano é chamado de mehalech – alguém que se
move, enquanto os anjos são chamados de omdim – imóveis, que ficam
parados em um lugar. Os anjos são criados para serem o que eles são, e isto é o
que eles são. Os animais são similares aos anjos neste aspecto. A palavra
animal em Hebraico é behema. O Maharal explica que esta palavra é uma
contração de duas palavras: ba e mah – quer dizer, seja o que
for, ele está lá. Eles não mudam ou crescem, exceto fisicamente. O animal é
espiritualmente programado e com o que ele nasce, isto é o que ele é. Mas o ser
humano tem que crescer e se mover constantemente. A vida é análoga a subir uma
escada rolante que desce. Se você ficar parado na escada rolante, você descerá.
Da mesma forma é a vida neste mundo. Você não pode ficar parado e estagnado –
você tem que crescer constantemente. Se você ficar parado, você desce.
Se você faz um pouco de esforço, você fica no mesmo
lugar. Se você faz muito esforço, você avança e cresce.
Portanto, em Rosh Hashaná, Deus não nos julga meramente em termos de onde
nós estamos, mas Ele também nos julga em relação a onde nós estávamos. Então,
se, neste ano, há duas pessoas no nível 37, mas, no ano passado, uma estava no
nível 47 e a outra no nível 27, elas serão julgadas de forma diferente, já que
uma está subindo e a outra está descendo. Um pessoa terá um julgamento positivo
porque ela está progredindo, enquanto a outra terá um julgamento negativo
porque ela está regredindo. No Judaísmo, o principal não é onde você está na
escada, mas em que direção você está se movendo na escada!
O terceiro aspecto do julgamento é como soldados. Uma pessoa pode estar em
um bom nível e estar subindo, mas ainda há outro aspecto do julgamento que ela
deve passar. O Judaísmo nos diz que cada pessoa é criada com talentos e
habilidades excepcionais para usá-los de forma produtiva neste mundo. Deus
colocou cada um de nós neste mundo para realizar certos objetivos, e Ele nos
concedeu o potencial para sermos capazes de atingir este propósito. É a
responsabilidade da pessoa alcançar o seu potencial na vida. Na reza de
Mussaf, o texto diz que Deus julga “as ações de cada pessoa e o seu tafkid” – a
sua missão, o seu propósito. Então, qual é a diferença entre ações e
propósito? A resposta é que as ações representam todas as mitzvot da Torá que
cada um de nós devemos fazer – reza, caridade, etc. É pedido que todos nós
inculquemos dentro de nós as mesmas mitzvot, os mesmos valores morais, etc. Mas
cada pessoa, em ascréscimo a isto, possui coisas que são exclusivas dela –
talentos e habilidades que somente ela possui. Espera-se que não só a pessoa
faça o que todos estão fazendo, mas desenvolva os seus talentos e habilidades e
os use no serviço de Deus. Então, este terceiro aspecto de julgamento verifica
se nós estamos desenvolvendo os nossos talentos e habilidades especiais ou se
nós estamos os ignorando. Você pode estar fazendo o que todos fazem, mas você
não está desenvolvendo a sua identidade única.
Então, há três aspectos de julgamento:
· Como rebanho – em que nível você
está?
· Como alpinistas – em que nível você
está em relação a onde você estava? Você está melhorando ou não?
· Como soldados – você está
desenvolvendo as suas habilidades e talentos ou você está os ignorando?
Parte E. O Princípio do Julgamento “Na Sua Situação Atual”
Para a nossa
felicidade, Deus nos julga em Rosh Hashaná como nós nos apresentamos diante
Dele neste dia. Este princípio importante é relacionado conosco na leitura da
Torá do primeiro dia de Rosh Hashaná. Nós não estamos sugerindo que tudo que
nós devemos fazer é colocar uma fachada em Rosh Hashaná. Ao invés disto, o que
isto quer dizer que é se nós sinceramente nos conectarmos com esta parte de nós
que quer se aproximar de Deus, então, Ele Se comportará conosco de acordo com esta
realidade atual, embora Ele saiba que ela possa não durar.
1. Bereshit, 21:8‑17 – Deus salva o filho expulso de Avraham, Ishmael, devido
a sua sinceridade naquele dia.
A criança cresceu e foi desmamada e Avraham (Abraão) fez um grande banquete
no dia que Itzchak (Isaac) foi desmamado. E Sara viu que [Ishmael], o filho de
Hagar, o Egípcio que nasceu de Avraham estava zombando. Ela disse a Avraham:
“Expulse esta criada e o seu filho…” A ideia era muito ruim aos olhos de
Avraham por causa do seu filho. Deus falou para Avraham: “O que [Sara disse]
sobre o menino e a criada não deve ser ruim aos teus olhos, tudo o que Sara
disse para ti, ouça a sua voz, pois, através de Itzchak, a tua semente será
chamada…”
E Avraham se despertou de manhã cedo e pegou pão e um odre de água e deu
para Hagar… E ele mandou ela embora [com Ishmael], e ela foi e errou pelo
deserto de Beer Sheva. E a água terminou do odre, e ela lançou o menino abaixo
de uma das plantas. Ela foi e sentou-se na distância de uma flechada da planta,
pois ela disse: “Eu não quero ver a morte desta criança.” Ela sentou-se
defronte dele e levantou a sua voz e chorou. Deus ouviu a voz do menino e,
então, o anjo de Deus chamou Hagar dos céus e disse: “O que está te
[perturbando], Hagar, não tema, pois Deus atendeu à voz da criança no seu
estado atual.”
2. Talmud Bavli, Rosh Hashaná 16b – Ishmael foi julgado no seu estado presente.
Rav Itzchak disse que uma pessoa somente é julgada de acordo com o seu
comportamento no momento do julgamento, como está escrito: “Deus atendeu à voz
da criança no seu estado atual (Bereshit 21:17).”
3. Rashi, Bereshit 21:17 – Embora coisas ruins sairiam de
Ishmael, ele foi julgado como sendo íntegro no seu estado presente.
Ele é julgado de acordo com as suas ações nesse exato momento, e não de
acordo com o que pode acontecer no futuro (Rosh Hashaná 16b). Os anjos estavam
acusando Ishmael e disseram: “Senhor do Universo, como Tu podes prover uma
fonte de água para alguém cujos descendentes matarão os Teus filhos através da
sede?” Deus respondeu a eles: “Neste exato momento, ele é íntegro ou perverso?”
Eles responderam: “Íntegro.” Ele disse a eles: “De acordo com as suas ações
presentes, Eu o julgo,” e este é o significado de “no seu estado atual.”
4. Rabino
Avidgdor Nebenzahl, Thoughts for Rosh HaShanah (Reflexões sobre Rosh Hashaná),
p. 57 – A pessoa deve se empenhar para atingir um nível espiritual alto em Rosh
Hashaná, independente de se este estado será ou não preservado durante o ano.
Nós descobrimos
uma das maiores bases da teshuvá (arrependimento) na resposta de Deus para a
pergunta dos anjos, que os Sábios certamente queriam que nós considerássemos na
hora da leitura da Torá. Os Sábios queriam nos ensinar o princípio de “no seu
estado atual.” Mesmo se os atos da pessoa não são de grande calibre durante o
resto do ano, a pessoa deve fazer todo o esforço para aprimorar a sua conduta
durante os dias anteriores ao Dia do julgamento para receber uma sentença
favorável. Isto ocorre mesmo se a pessoa desconfia que ela provavelmente
falhará após Rosh Hashaná e não continuará no mesmo nível espiritual. Uma
pessoa é julgada “no seu estado atual,” e não de acordo com as suas ações
futuras. Portanto, se uma pessoa eleva o seu nível espiritual para um nível mais
alto do que o nível normal em Rosh Hashaná, ela receberá um julgamento
favorável.
O conceito de viver um nível mais alto
durante esta época do ano se tornou firmemente enraizada na tradição judaica,
como a seguinte lei demonstra:
5. Shulchan Aruch,
Orach Chaim 603:1 – É costume adotar rigores extras durante os Dez Dias de
Teshuvá.
Mesmo alguém que normalmente não é cauteloso
sobre não comer pão feito por um não judeu, ele deve fazê-lo durante os Dez
Dias de Teshuvá.
Cabe notar, no entanto, que a prática
de viver em um nível elevado durante esta época do ano não é só uma artimanha. Nós
não estamos simplesmente colocando uma fachada para o julgamento. No lugar disto,
a esperança é que viver desta forma mesmo por um período curto terá a sua
influência na forma que nós vivemos durante o ano também. Pode-se perceber
claramente que isto é assim pelo contexto que esta lei foi formulada no Talmud.
6. Talmud
Yerushalmi (Talmud de Jerusalém), Shabat 1:3 – Ser rigoroso consigo mesmo
durante os Dez Dias de Teshuvá afetará outras áreas de crescimento espiritual.
Rabi Chia instruiu o Rav: Se você
puder comer em um estado de pureza durante todo o ano, então, o faça, mas, se
não puder, o faça pelo menos durante os sete dias [entre Rosh Hashaná e Iom
Kipur]. Daqui, o Rabino Pinchas ben Iair deduziu a seguinte lição: ligeireza
leva a limpeza; limpeza leva a pureza, etc.
Embora o julgamento de Rosh Hashaná seja
selado para o próximo ano, Deus ainda examina as nossas ações e o ajustará para
incluir as mudanças no nosso comportamento.
7. Talmud Bavli,
Rosh Hashaná 17b – Deus compatibilizará o resultado do nosso julgamento em Rosh
Hashaná de acordo com a nossa conduta no transcurso do ano.
“Os olhos do Senhor, o Teu Deus estão
sobre [a Terra de Israel] (desde o início do ano até o final)” (Devarim 11:12).
Às vezes, para o bem, às vezes, para o mal.
O que é um exemplo de que isto é para
o bem? Se o povo judeu fosse completamente perverso em Rosh Hashaná e lhes
fosse decretado uma pequena quantidade de chuva, mas, ao final, mudaram a sua
conduta – dar mais chuva para eles seria impossível, já que isto já foi
decretado. No lugar disto, Deus faz com que a chuva caia no tempo certo e em
lugares onde ela é mais necessária, de acordo com cada lugar.
O que é exemplo disto para o mal? Se o
povo judeu fosse completamente íntegro em Rosh Hashaná e lhes fosse decretado
chuva em abundância, mas no final, eles mudaram a sua conduta – dar menos seria
impossível, pois isto já foi decretado. No lugar disto, Deus faz com que a
chuva caia fora do tempo e em locais onde ela não é necessária.
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